Thursday, February 09, 2012

O Locador de Bilhar e Nova Messejana

        Messejana, Fortaleza, Ceará. 12 de Abril de 1985. 
  Hoje, me apresento novamente a todos vocês. Meu nome é Ramos de Oliveira e sou responsável por esta coluna dominical que tem o objetivo de entreter, divertir e informar com consciência os aspectos mais interessantes e incomuns da nossa Grande Messejana. Porém, hoje me considero completamente incapaz, ultrapassado, longe de realizar esta função. Por isso, me reapresento como um iniciante desta tarefa. Tudo isso por conta de um homem que mudou a cara, o esporte, a diversão, a cultura, e por que não as relações sociais de Messejana e, em breve, o mundo. João Francisco do Nascimento é o presidente e sócio majoritário da empresa "Bilhar & Cia de Mesas de Sinuca Messejana". Para os messejanenses, quem não joga sinuca ou bilhar é chamado de 'estrangeiro', "Todo menino aqui joga sinuca, e da boa! Pode chamar qualquer menino aí pra jogar. Vai levar capote na certa!" fala a mãe de João, a dona Maria Gardênia do Nascimento ou Dona Gagá que usa como bengala o primeiro taco de sinuca feito pelo filho.
  A paixão pelas mesas vem do pai, Francisco do Nascimento, aprendeu a arte de construir mesas de sinuca em um concurso realizado pela Prefeiturinha de Messejana com o intuito de criar novos talentos. O concurso oferecia bolsas de estudo para jovens marceneiros em diferentes cidades do mundo, Paris, Pequim, Edinburgo, Cairo, Buenos Aires e Chicago. Cada cidade com uma oficina diferente, por exemplo, na China existe o costume de utilizar a madeira do Bambu em construções civis. Ou seja, o jovem messejanense que fosse o merecedor da bolsa de estudos iria estudar madeira relacionada a engenharia civil. Já o jovem que fosse pra Buenos Aires iria estudar as artes da luthieria, aprender a fabricar os melhores violões para Tango. Os candidatos e futuros marceneiros foram avaliadas através de uma redação com o seguinte tema: "Por que quero trabalhar com madeira?", cada jovem disputaria vaga com outros concorrentes de cada curso. Dentre os cursos, havia uma sessão com pouco destaque no panfleto que acabara de receber o jovem Francisco ao sair da Escola de Ensino Médio Paulo Benevides em Messejana. Os olhos miraram de primeira e a paixão foi iminente: "Faça a diversão de sua família e de seus amigos fazendo mesas de bilhar". Aquilo foi como uma revelação, como uma dádiva vinda dos céus. "Essa é minha vocação, ela me chamou!" disse em voz alta. 
  Meses depois, Francisco estaria embarcando para Escócia onde passaria os próximos meses confinado e estudando toda a arte das mesas de sinuca e bilhar. Na verdade, ele foi o único jovem que mandou sua justificava para esta categoria. Porém, o responsável pela correção de sua prova disse: "A escrita do garoto era maravilhosa. Me convenceu tirando lágrimas do meu coração". No terra do Whisky, ele conheceu o Harold McDowell, um marceneiro já aposentado que dava aulas de como trabalhar e utilizar a madeira. "As lições do velho Harold era para vida e não para a madeira". afirmou Francisco no primeiro momento em que citei o nome de seu mestre. "No meses que estive lá, aprendi muito. Sou o que sou, por conta do velho. Era escroto, nojento, malvado, mas um Mestre com M maiúsculo. E outra coisa, o Whisky também. Descia como mel, embriagava como o cão". Para todos que conheceram Harold, apesar da personalidade díficil, era humano em sua essência. 
  "Quando voltei da Escócia foi uma festa enorme aqui em Messejana... Bebi taaanta cachaça, mas tanta, que naquele dia mesmo fiz a primeira mesa de sinuca e bilhar. E batizei a bicha de 'cachacinha'. Essa é sucesso!" falava seu Francisco ao lembrar das histórias de um "jovem aventureiro" como ele mesmo se autointitula. Hoje, 'o chefe' como era conhecido entre seus companheiros de oficina, não trabalha mais na parte produtiva da empresa. "O responsável é o Joãozim. Ele quem manda em tudo. Desde menino, ensino tudo que aprendi lá na Escócia. Ô canto frio... Mas, aprendi muito lá. A madeira lá fica dura como pedra... Oura, no frio, né?! Então, você aprendi a usar o fogo na madeira. Ela fica mais molinha, então, dá pra fazer o trato nela". Essa é uma técnica esquecida no mundo ocidental, sem sucesso entre os empresários e industriais. A questão climática impôs uma maneira diferente de explorar a madeira. "Por isso, minhas mesas tem essas decorações. Aqui, agente faz o desenho que você quiser. Seu rosto, rosto do menino, flor, bola, um número, o que quiser. É só pedir!" No momento da entrevista, a empresa iria realizar uma entrega na ala de traumatologia do Hospital Distrital Gonzaga Mota de Messejana (Ou melhor, Gonzaguinha da Messejana, a mesa era do tipo 'cachacinha' com a decoração inspirada na obra Iracema de José de Alencar e com rádio AM/FM embutido. "Essa é uma doação minha. Pensei: O pessoal do hospital precisa de diversão. Aí pensei: Vou mandar uma 'cachacinha' pra eles." e caiu na gargalhada. 
  "O Joãozim sempre foi habilidoso. Aprendi rápido o trabalho com mão, quando eu ia mexer nas madeiras era batata ele tá ali do lado. Daqui a pouco, quando via o menino tinha feito um carrim, um avião, um boneco, qualquer coisa. Aí pensei: Esse menino vai trabalhar com madeira! E gostava mesmo, até hoje, né?!". João é o homem de maior influência no bairro, é apontado pela Revista Messejana Politica como o maior cabo eleitoral de qualquer candidato a prefeito da cidade de Fortaleza. Há dúvidas quanto a isso, porém, não podemos negar a importância política de João. Em um artigo publicado pelo jornal A Lagoa, ele é conhecido entre os políticos e poderosos como 'O Locador de Bilhar: O Homem". Para vereadores, deputados estaduais e um ex-prefeito, quem tem João Francisco do lado, tem tudo. 
  Em uma entrevista com o ex-preifeitinho de Messejana Ari Cavalcante, que analisa os tempos de hoje como o momentos mais triste da política: "É o poder! Tá no dinheiro, então, o home tem a séda. Como disse e vou morrer dizendo, Dinheiro é Poder. Não tem jeito". afirma decepcionado do seu escritório na Avenida Pe. Pedro de Alencar. É aqui que vejo o choque de duas 'Messejanas', uma onde o comunitário era o espirito naturalmente imperante, e outra, onde o pequenos e futuros messejanenses não sabem nem onde e nem quem embelezava as águas desta lagoa abandonada. Talvez, o xamânico Segredo de Jurema guardado pela nossa índia Iracema tenha permitido aos nossos ancestrais ver o que ninguém consegue ver hoje, uma lagoa abandonada. 
  Carinhosamente de um humilde morador do maior bairro do mundo,  
  Ramos de Oliveira

*Observação: Texto retirado do jornal "O Messejanense" que durou quase dois séculos. Em breve, coloco o texto de comemoração do primeiro ducentésimo escrito pelo humorista 'João Minhas, Que as Suas Eu não Levo'. /music non stop!/

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